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30 DE MAIO DE 2016. POR MÁRCIA BENEVENUTO

Pecuária brasileira perde Mario Cruvinel Borges

Pecuária brasileira perde Mario Cruvinel Borges

Faleceu hoje pela manhã o uberabense Mario Cruvinel Borges. Ele tinha 95 anos e foi uma das grandes personalidades do mundo do zebu. O corpo será velado no Tatersal Rubico Carvalho, no Parque Fernando Costa, em Uberaba (MG) a partir de 11h e o sepultamento será no cemitério São João Batista às 17h30. 

A ABCZ presta condolências aos filhos Antonio Joaquim, Mario Sergio, Sania e Ana Cristina, bem como aos netos e bisnetos.     

Mário Cruvinel Borges foi um dos principais consultores técnicos das raças zebuínas. Ele começou a trabalhar com animais ainda criança e continuava ativo, seguindo a rotina diária de visitar fazendas. Sempre foi generoso em passar seus conhecimentos e se destacou desde muito cedo nas pistas de julgamento de Uberaba, além de trabalhar com registro genealógico na entidade quando ainda era Sociedade Rural do Triângulo Mineiro. Era conhecido como "lapidador de rebanhos".

Assista entrevista dele no Centro de Referência da Pecuária Brasileira – Zebu: 

http://www.crpbz.org.br/Videos/AssistirVideoDoServidor/476-Mario-Cruvinel-Borges-Parte-01

http://www.crpbz.org.br/Videos/AssistirVideoDoServidor/475-Mario-Cruvinel-Borges-Parte-02

Leia essa entrevista publicada pelo Jornal da Manhã em 13/11/2011.

Mário Cruvinel Borges nasceu em 18 de maio de 1921 em Uberaba. Desde pequeno assumiu importantes responsabilidades na fazenda da família, tornando-se expert em raças zebuínas. Isto porque sua vida praticamente se confunde com a história da raça no Brasil, da ABCZ, das lutas pela importação, do nascimento de grandes criatórios da atualidade, além de histórias sobre julgamentos, das precárias exposições no centro de Uberaba até modernização dos leilões que envolvem milhões em beleza, tecnologia e produção. Afinal, são nada menos que 50 anos de contribuição de um apaixonado.  

Jornal da Manhã – Como era a infância nos anos 20?
Mário Cruvinel Borges – Morava na fazenda e só vinha em Uberaba de vez em quando, na época que ainda se usava trem. Éramos 12 irmãos, todos criados na fazenda. Era isso que a movimentava, tínhamos os empregados e ajudávamos a administrar. Havia uma escola na fazenda onde estudamos e só vim a Uberaba para fazer admissão para o ginásio, já que o curso primário eu havia feito todo na fazenda. Isso aconteceu porque perdi meus pais cedo. Perdi meu pai, Joaquim Borges Araújo, quando tinha cinco anos e minha mãe, Altina Cruvinel Borges, quando tinha 11. Foi por isso que me mandaram para Uberaba estudar em um internato. Passei no teste de admissão, mas não tolerei ficar muito tempo interno. [Risos] Arrepiei e disse que não voltaria para lá de jeito nenhum. Havia passado para o terceiro ano, mas não voltei lá mais. Fiquei o resto da vida na fazenda, onde mexia com gado zebu. Aprendi tudo com a vida. 

JM – E como foi essa experiência?
MCB – Eu acompanhei praticamente todo o movimento do zebu no Brasil quando vieram as três principais raças pra cá: gir, nelore e guzerá. Após um tempo, fizeram o cruzamento do gir com o guzerá, criando-se uma raça para a qual deram o nome de indubrasil. Esse gado foi o que predominou por muito tempo como a raça da moda aqui no Brasil. Quando venceu o prazo do indubrasil, veio a fase do gir. Neste momento descobriu-se que o gir era uma raça de gado muito boa, bastante leiteiro, mas é um gado que requeria mais cuidado e atenção dos criadores. Quando começaram a abrir essas fazendas mais distantes pelo país, ficou complicado manter o gir, foi então que começou os tempos áureos do nelore, um animal que praticamente se cria sozinho. Ele nasce sozinho, mama sozinho. Mas quando descobriram isso, o nelore havia praticamente acabado no Brasil. Se fosse fazer um levantamento no país, é como se houvesse apenas 10 criadores de gado que possuíam nelore na época. Foi um tal de juntar vaca branca com nelore para produzir exemplares... Poucos mantiveram com cuidado. No Rio de Janeiro, havia um criador chamado Pedro Luiz que tinha e conservou, e também houve o Manuel Lemgruber, que importou gado e conservou. E isso fez com que a criação crescesse e hoje o nelore representa nada menos que 80% do criatório nacional. E de pensar que tudo isso saiu do trabalho de 10 criadores que ainda tinham a raça no Brasil. Com isso se vê que a raça é boa mesmo. 

JM – O senhor mencionou que aprendeu quase tudo o que sabe sobre gado começando a administrar a fazenda da família. Que recordações dessa fase o senhor guarda com mais carinho?
MCB – Com uns 17 anos comecei a vir à cidade para negociar gado, comprando e vendendo, quando, em 1945, uma crise daquelas de arrebentar todo mundo se abateu no país. E eu, que era muito novo, achei que falar em moratória era inaceitável. Eu, requerer moratória, ficaria sem teto pelo resto da vida. Não aceitei a tal da moratória e caí no mundo vendendo touros. Fui para o norte de Minas, para onde praticamente ainda não havia nada. Para se ter uma ideia, Governador Valadares estava começando a nascer, tinha duas ruas. [Risos] Passei por Montes Claros, Caratinga, entre outras, vendendo zebu e paguei todas as dívidas sem precisar requerer moratória. Mas acredito que um péssimo negócio que fiz, porque desde esta época nunca mais pensei em dever um tostão para bancos. Na época, quem não tinha nada requeria moratória, não pagava nada e tava tudo certo. Muitas pessoas fizeram isso e continuaram... 

JM – O senhor ficou conhecido como “lapidador de rebanhos” porque atuou como selecionador... Como foi isso?
MCB – A Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ), que nos anos 40 ainda era a Sociedade Rural do Triângulo Mineiro, me convidou para ser diretor de registro e eu fui, ficando lá só 12 anos. [Risos] Era o diretor de registro que selecionava o gado zebu. Até então era tudo misturado e acredito ter feito um grande benefício na época porque trabalhava-se com livro aberto, ou seja, entravam todos os nomes e colhíamos todo material, mas estava na hora de apurar esse arquivo. Foi uma briga danada, porque nesse tempo quase não havia gado e achava-se que iria ter muita dificuldade para apurar. Consegui colocar a medida em votação em uma reunião do conselho da Sociedade Rural, mas deu empate, deram o voto de minerva, e eu fechei o livro com a condição de atender a todos que ainda quisessem mostrar o gado naquela época. A partir daí só se registrava gado controlado desde o nascimento. Acredito que foi isso que deu um grande impulso no desenvolvimento do gado zebu no Brasil.  

JM – Qual foi a importância desse trabalho?
MCB – Tínhamos animais que vieram puros da Índia, mas alguns haviam sido misturados com o rebanho que existia por aqui. O que fiz foi desenvolver um regulamento para a apuração de cada raça, seja gir, nelore ou guzerá, porque com a mistura perdiam-se totalmente as características do zebu original. O gado misturado era abatido com sete anos e 12 arrobas, enquanto que o gado puro de hoje, por exemplo, é abatido aos 14 ou 16 meses com 18 arrobas. Foi a redenção, o que tornou possível hoje o Brasil ser o maior exportador de carne do mundo. 

JM – Aos 18 anos, o senhor já fazia parte da comissão de jurados em Uberaba e antes dos 22 era titular nas pistas de julgamento. Também foi na mesma época em que atuou como diretor de registro?
MCB – Foi algo à parte. Nenhum julgador de hoje conhece mais de gado que eu, mas é porque comecei ainda muito novo. Com 17 anos eu já ajudava a organizar exposições. Naquele tempo era pouco gado. 

JM – O que mudou de lá para cá?
MCB – A diferença é que hoje o gado apresenta um padrão e esse padrão é o princípio do julgamento. Busca-se aquele que seja mais perfeito, porque um animal sempre tem algum defeito, o importante é procurar aquele que seja o menos defeituoso. 

JM – Quais eram os critérios que o senhor dava mais atenção?
MCB – O primeiro critério que olhava era o de raça, a pureza dela, que se podia ver pela cabeça do animal. Depois vinha analisando cupim, barbela, lombo, garupa, culote, etc. Lembro com destaque da primeira exposição de nelore do Brasil, realizada por José Mário Junqueira. Ele me ligou avisando que iria fazer a exposição de nelore e me convidou para ser o juiz. Faz uns 30 anos, mas me lembro bem que foi um sucesso muito grande, pois foi a primeira exposição por raça. Essa Expoinel era rotativa, cada ano acontecia em uma cidade, como São Paulo, Goiânia, Londrina e Campo Grande, depois ela se tornou tradicional em Uberaba e permaneceu por aqui. Julgar em Uberaba era sempre prazeroso, mas viajei por todo o país realizando julgamentos de raças. Teve época em que fui convidado para dois julgamentos no mesmo dia. Na hora que terminou o primeiro, já havia um avião esperando para me levar para o outro. 

JM – Pelo visto, o senhor sempre trabalhou por paixão, nunca pensou em seguir outra profissão?
MCB – O sangue de fazendeiro já corria nas veias, não tinha outro jeito. Tanto que, por conta desses trabalhos na Sociedade Rural e na ABCZ, a Mendes Júnior me convidou para fazer um plantel na fazenda. Gostei da ideia e fui. Depois que iniciei o plantel e que já estava tudo montado, o vizinho Alberto Mendes viu e disse que também queria fazer, é o plantel Sabiá. Fui fazer e outro vizinho dele, o Jonas Barcellos, viu e também se interessou. Conheci-o na década de 70, no aeroporto daqui de Uberaba, e fomos para Campo Grande comprar 66 novilhas nelore, foi então que ele começou a criar gado. Cheguei a dizer que no lugar onde estava o pasto não era bom e por isso o rebanho não se desenvolveria, foi então que ele comprou, inicialmente, dois alqueires perto da BR-050. Depois foi comprando terras, expandindo, até formar a fazenda Mata Velha. Desliguei-me da Mendes Júnior para cuidar da minha fazenda, mas acabei continuando a dar assistência para o Jonas. Foi o momento da entrada dos empresários no negócio do zebu, aproveitando o conhecimento dos fazendeiros. 

JM – E o senhor continua esse trabalho?
MCB – Assessoro Jonas Barcellos até hoje, tanto que ele é uma pessoa que tenho quase que como irmão... 

JM – Aliás, ele homenageou o senhor ao criar o tattersal “Mário Cruvinel Borges. O que significou isso para o senhor?
MCB – Vejo de forma normal, pois ele quis demonstrar seu reconhecimento. 

JM – A família Borges é uma das mais marcantes na história do desenvolvimento do gado zebu em Uberaba e no país. Além do senhor, outro exemplo foi Pedro Cruvinel Borges...
MCB – Meu primo. Ele foi à Índia buscar exemplares, mas não pôde trazer porque a importação estava proibida, por questões sanitárias. Ele ficou seis meses. Eu também fui à Índia para tentar trazer na década de 80, esperando que nesta época já estivesse podendo trazer. Fiquei um mês e meio por lá, mas vim embora cheio de vontade. Mas a história começou bem antes de 1918, quando Joaquim Borges começou a exploração do zebu na Índia. Ele foi e morreu por lá. Os últimos zebus que vieram de lá para o Brasil chegaram em 1962, com Celso Garcia Cid, no Paraná. Ele trouxe esse gado na marra. Foi uma briga feia para descer esse gado do navio, pois queriam matar o rebanho. Mas ele acabou conseguindo, quando viram, ele já estava tocando o gado. Legalmente, Torres Homem Rodrigues da Cunha foi outro que também conseguiu trazer gado nesta época. 

JM – Hoje a tecnologia chegou para ficar. Como o senhor analisa o papel ou a interferência da tecnologia no melhoramento genético do rebanho?
MCB – A tecnologia trouxe a central de inseminação, onde um touro fornece quantidade imensa de sêmen. Depois veio a transferência de embrião e tecnologias que permitem que uma vaca consiga gerar, em outras vacas, barrigas de aluguel, cerca de 80 ou 100 bezerros. Então, a tecnologia facilitou muito. Quem começou a criar há cinco anos e com cinco vacas já tem um plantel. Depois de 10 anos de luta, voltamos à Índia com Jonas Barcellos. Agora estamos colhendo bezerros de sêmen criado de plantel e laboratório mantidos lá. Os primeiros bezerros nasceram em 2010. A expectativa é colher cerca de 800 a 900 bezerros. Outra coisa que a tecnologia tem proporcionado fazer hoje são os clones a partir de uma rês. Não se sabe ainda o que vai acontecer, mas já tem vaca clonada produzindo. 

JM – E o senhor, que teve oportunidade de acompanhar o início de tudo, vê como positiva essa interferência?
MCB – É uma coisa do mundo, as mudanças são automáticas. Uma vaca que dura dez anos, se fizermos um clone dela, podemos ter um exemplar que dure por mais dez anos, praticamente idêntica. Através da maneira tradicional de produzir, uma vaca boa conseguia dar 10 a 15 bezerros, hoje, com essas tecnologias, é possível colher 100 ou até 200 bezerros de uma vaca só. A tecnologia veio ajudar. 

JM – Mas o uso dessa tecnologia toda demanda altos investimentos, o que também torna os animais bem caros. Tanto que meia vaca é vendida a R$2 milhões. Como o senhor vê a questão?
MCB – Recentemente, meia vaca foi vendida a R$3 milhões, mas às vezes vejo isso como um exagero. Hoje, uma vaca dessas, se for boa produtora, se paga rapidamente. O sujeito que comprou a primeira vaca que vendemos por R$1 milhão um dia falou para mim que em dois anos ele já havia tirado o dinheiro gasto com correção monetária, vendendo embriões para outros criadores. São mais de 10 anos e ela ainda está produzindo.

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