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24 DE ABRIL DE 2007. POR LAURA PIMENTA

Clonagem bovina vive vácuo regulatório

Um vácuo regulatório gera um impasse num segmento ainda novo no Brasil: o de clones de gado bovino. Há seis anos, a Embrapa anunciou o nascimento do primeiro clone bovino no país. Nesse meio tempo, a pesquisa avançou, empresas de genética bovina passaram a utilizar a tecnologia e, recentemente, clones nascidos ou ainda em gestação foram vendidos em leilões de gado nacionais por cifras milionárias. Tudo isso sem que haja um conjunto de normas que regulamente essas operações. A falta de uma regulamentação levou a Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ) a decidir pela não-concessão de registro genealógico a animais que tenham nascido a partir de clonagem. O decreto que trata do registro genealógico da raça é de 1966 e não prevê a clonagem, por isso está sob revisão pelo Ministério da Agricultura. Sem o registro genealógico, o proprietário não consegue comprovar que o animal é da raça e nem pode participar de exposições e julgamentos da tal raça. "Hoje, vender clone é uma temeridade porque não há garantia de registro da ABCZ", afirma Nelson Pineda, diretor técnico e científico da ABCZ. Ele explica que a entidade decidiu não conceder o registro pela inexistência de legislação. Segundo Pineda, durante cerca de um ano, um grupo de estudos formado por representantes da ABCZ, setor produtivo, universidades, da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia e Embrapa Gado de Corte, e Ministério da Agricultura, avaliou a questão e esboçou um protocolo com os procedimentos para o uso da tecnologia e para a comercialização dos animais resultantes da clonagem. O protocolo - que seria a base de uma regulamentação - prevê que a clonagem deverá ser feita em laboratórios credenciados pelo Ministério da Agricultura. Além disso, todos os "envolvidos" no procedimento - o animal que foi clonado, o clone, a doadora do ovócito (célula precursora do óvulo na qual é inserido o núcleo de uma célula somática ) e a receptora do embrião terão de passar por testes de DNA. A doadora do ovócito também deve ter a mesma raça do animal clonado e registro definitivo nessa raça. Esses requisitos garantiriam o registro genealógico provisório do clone. Apenas após a comprovação de que o animal pode se reproduzir normalmente - o que só é possível saber a partir dos 18 meses, na maturidade sexual - é que a ABCZ concederia o registro genealógico definitivo, afirma Pineda. Ele enfatiza que a ABCZ não se opõe à clonagem. Mas diz que há várias perguntas a serem respondidas, como, por exemplo, de quem seria a propriedade intelectual do clone de um clone. Diante das incertezas, a ABCZ fez uma consulta ao Ministério da Agricultura sobre o tema. Segundo o coordenador do sistema de rastreabilidade do Ministério, Serguei Brener, o assunto está sendo debatido, e o objetivo é chegar a uma proposta consolidada, que seria a base da regulamentação. Um projeto de lei sobre o assunto, da senadora Kátia Abreu (DEM-TO), tramita atualmente no Senado. Em outubro de 2005, a então deputada apresentou na Câmara um projeto que regulamenta as atividades de pesquisa, produção, importação, liberação no ambiente e comercialização de clones de mamíferos, exceto humanos, peixes, anfíbios, répteis e aves. Uma comissão especial para discutir o projeto chegou a ser criada, mas com o fim da legislatura na Câmara, o projeto foi arquivado. Eleita senadora, Kátia Abreu o reapresentou em março no Senado. Agora, o projeto tramita na Comissão de Ciência e Tecnologia e passará por mais três comissões. Se aprovado, irá a Câmara. Pelo projeto, "a pesquisa envolvendo clonagem de mamíferos, peixes, anfíbios, répteis e aves e a produção comercial de clones de mamíferos, peixes, anfíbios, rapteis e aves só poderá ser realizada por pessoa jurídica de direito público ou privado legalmente constituída". O registro e fiscalização das instituições interessadas na pesquisa e produção comercial caberá ao Ministério da Agricultura. Também prevê que o Ibama terá de "registrar e fiscalizar as instituições interessadas na realização de pesquisa envolvendo clonagem de mamífero silvestre e produção comercial de clones de mamífero silvestre, bem como autorizar a liberação de clones de mamíferos silvestres no meio ambiente". Para Pineda, o projeto de lei não esgota o tema. Além dele, afirma , seria necessária a elaboração de uma instrução normativa pelo Ministério da Agricultura, com detalhes sobre os procedimentos. O tema clonagem é considerado complexo dentro do Ministério, pois ainda há dúvidas sobre a tecnologia. "Ainda não temos certezas dos benefícios da técnica, é preciso ver se os animais terão vida produtiva normal", afirma Brener. Rodolfo Rumpf, coordenador de projeto da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, que participou do projeto de clone há seis anos e do grupo de estudos junto com a ABCZ, admite que a tecnologia ainda apresenta "gargalos", como perda de animais durante a gestação e o nascimento. A eficiência também ainda é baixa. De cada 100 embriões transferidos no caso de doadora do sexo feminino, apenas 1 a 5 vingam. Negócios milionários estão em risco Num leilão no Rio, no fim do ano passado, o pecuarista Felipe Picciani vendeu 50% do clone da vaca Bilara 7, da raça nelore, por R$ 1,040 milhão. Em março passado, em leilão em Londrina, o criador Marco Mammana vendeu duas cotas de um clone, ainda em gestação, da vaca Betina Dapb, por R$ 42 mil cada. Ambos sabem que o pioneirismo dessas operações significa um risco. Como a legislação do registro genealógico é antiga e não contempla a clonagem, esses animais podem não obter o registro da Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ). Pelo menos, enquanto não houver uma alteração na legislação ou uma instrução normativa do Ministério da Agricultura sobre a questão. "Seria um grande retrocesso", diz Picciani, sobre a não-concessão de registro, admitindo que, neste caso, seria necessário "devolver o dinheiro" ao comprador do clone. Mas Picciani cita a decisão do Ministério de autorizar a importação de sêmen de clones do Canadá como uma prerrogativa, que abriria caminho para a pasta autorizar o registro genealógico. Até o fechamento desta edição, porém, o Ministério não havia confirmado a autorização para o sêmen. Mammana afirma que o contrato de venda das cotas do clone em gestação prevê que o comprador pagará apenas um sinal. As demais parcelas só serão pagas, respectivamente, quando o animal nascer, for inspecionado por veterinários e obtiver a homologação da ABCZ. De acordo com Mamana, diante da falta regulamentação, ele decidiu protocolar na ABCZ todo o procedimento da clonagem, com informações sobre os animais envolvidos e previsão de nascimento do clone. A falta de legislação também pode estimular "experiências" com clonagem, admitem fontes do setor. E que podem levar a questionamentos sobre propriedade do germoplasma. Uma fonte cita o hipotético uso de uma célula somática de sêmen de um touro premiado no processo de clonagem. A dúvida, nesse caso, é se a célula poderia ser utilizada sem a permissão do proprietário do animal que forneceu o sêmen. (AAR) Fonte: Jornal Valor Econômico

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